domingo, 9 de maio de 2010

David Hume: o problema da causalidade


O Problema da Causalidade
(Segundo a Investigação sobre o Entendimento)

"Não temos necessidade de temer que esta filosofia, na medida em que tenta limitar as nossas pesquisas à vida corrente, destrua os raciocínios de vida corrente e leve suas dúvidas tão longe a ponto de destruir toda a acção como toda a especulação. A natureza sempre manterá os seus direitos e, no fim, prevalecerá sobre os raciocínios abstractos. Mesmo que concluamos, por exemplo, que em todos os raciocínios tirados da experiência o espírito dá um passo que não é sustentado por nenhum progresso do entendimento, não há nenhum perigo que esses raciocínios, dos quais depende quase todo o conhecimento, sejam afectados por tal descoberta. Se o espírito não está obrigado a dar esse passo por meio de um argumento, ele deve ser conduzido por outro princípio igual em peso e em autoridade; tal princípio conservará a sua influência por tanto tempo que a natureza humana permanecerá a mesma. A natureza desse princípio bem merece que nos entreguemos ao esforço de investigar sobre ela.

Suponha-se que um homem, dotado das mais poderosas faculdades de razão e de reflexão, seja subitamente transportado por este mundo; certamente ele observaria de imediato uma contínua sucessão de objectos, um acontecimento seguir-se a outro; mas seria incapaz de descobrir outra coisa. De imediato, ele seria incapaz, por meio de algum raciocínio, de atingir a ideia de causa e efeito, pois os poderes particulares que concretizam todas as operações naturais nunca se apresentam aos sentidos; e não é razoável concluir, unicamente porque um acontecimento precede outro num único caso, que um seja a causa e o outro o efeito. A sua formação pode ser arbitrária e acidental. Não existe razão para se inferir a existência de um pela aparição do outro. Numa palavra, aquele homem, sem mais experiência, nunca faria conjecturas ou raciocínios sobre qualquer questão de facto; só estaria certo do que está imediatamente presente na sua memória e nos seus sentidos.
Suponha-se ainda que este homem tenha adquirido mais experiência e que tenha vivido por muito tempo no mundo para que tenha observado a conjugação constante de objectos e de acontecimentos familiares; que resulta dessa experiência? Ele imediatamente infere a existência de um dos objectos pela aparição do outro. Todavia, ele não adquiriu, com toda sua experiência, nenhuma ideia, nenhum conhecimento do poder oculto pelo qual um dos objectos produz o outro; e não é por nenhum progresso de raciocínio que ele é obrigado a chegar a esta conclusão. Mas ele sempre se acha determinado a tirá-la; e, mesmo que o convencêssemos que o seu entendimento de modo algum participa na operação, ele continuaria a ter o mesmo pensamento. Existe um outro princípio que o determina a estabelecer tal conclusão.
Esse princípio é o hábito ou costume. Pois, todas a vezes que a repetição de uma operação ou de um acto particular produz uma tendência no sentido de renovar o mesmo acto ou a mesma operação sem o impulso de qualquer raciocínio ou processo do entendimento, dizemos sempre que essa tendência é o efeito do costume. Ao empregar esta palavra não pretendemos ter dado a razão última de tal tendência. Apenas designamos um princípio de natureza humana, universalmente reconhecido e bem conhecido pelos seus efeitos."
|David Hume

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