quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A Pessoa como agente moral ou sujeito ético

A palavra “ética” vem do grego ethos, que significava, já na Grécia antiga, hábito, costume. Esse sentido é o mesmo atribuído pelos romanos da Antiguidade à palavra latina mores, que deu origem ao termo “moral”. 


A palavra "pessoa" tem a sua origem no termo latino para uma máscara usada por um actor no teatro clássico. Ao porém máscaras, os actores pretendiam mostrar que desempenhavam uma personagem. Mais tarde "pessoa" passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, que é um agente. De acordo com o Oxford Dictionary, um dos sentidos actuais do termo é "ser autoconsciente ou racional". Este sentido tem precedentes filosóficos irrepreensíveis. John Locke define a pessoa como "um ser inteligente e pensante dotado de razão e reflexão e que pode considerar-se a si mesmo como aquilo que é, a mesma coisa pensante, em diferentes momentos e lugares."
Peter Singer - Aceda aqui a uma versão mais desenvolvida deste texto.

Os elementos constituintes do campo ético

Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vício. 

A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável pelas suas ações e os seus sentimentos e pelas consequências do que faz e sente. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética.

A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela situação, as consequências para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins (empregar meios imorais para alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo (se o estabelecido for imoral ou injusto).

A vontade é esse poder deliberativo e decisório do agente moral. Para que exerça tal poder sobre o sujeito moral, a vontade deve ser livre, isto é, não pode estar submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos instintos e às paixões, mas, ao contrário, deve ter poder sobre eles e elas.

O campo ético é, assim, constituído pelos valores e pelas obrigações que formam o conteúdo das condutas morais, isto é, as virtudes. Estas são realizadas pelo sujeito ético ou agente moral, principal constituinte da existência ética. O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir se preencher as seguintes condições:

- ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;

- ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas possíveis;

ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e consequências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la bem como às suas consequências, respondendo por elas;

- ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna dos seus sentimentos atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta.

 O campo ético é, portanto, constituído por dois pólos internamente relacionados: o agente ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes éticas. Do ponto de vista do agente ou sujeito moral, a ética faz uma exigência essencial, qual seja, a diferença entre passividade e atividade

Passivo é aquele que se deixa governar e arrastar pelos seus impulsos, inclinações e paixões, pelas circunstâncias, pela boa ou má sorte, pela opinião alheia, pelo medo dos outros, pela vontade de um outro, não exercendo a sua própria consciência, vontade, liberdade e responsabilidade. Enfim, vive na heteronomia (é heterónomo*).

Pelo contrário, é ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente os seus impulsos, as suas inclinações e as suas paixões, discute consigo mesmo e com os outros o sentido dos valores e dos fins estabelecidos, indaga se devem e como devem ser respeitados ou ultrapassados por outros valores e fins superiores aos existentes, avalia a sua capacidade para dar a si mesmo as regras de conduta, consulta a sua razão e a sua vontade antes de agir, tem consideração pelos outros sem subordinar-se nem submeter-se cegamente a eles, responde pelo que faz, julga as suas próprias intenções e recusa a violência contra si e contra os outros. Numa palavra, é autónomo*. 

Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como os homens dotados de autonomia encaram a cultura e a sociedade em que vivem e definem para si mesmos o que julgam ser a violência e o crime, o mal e o vício e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude. Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é alheia ou indiferente às condições históricas e políticas, económicas e culturais da ação moral. 

Consequentemente, embora toda a ética seja universal do ponto de vista de quem a assume como disciplina filosófica fundamental, está em relação com o tempo e a História, transformando-se para responder a exigências novas da sociedade e da Cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se desenrola no tempo. A reflexão ética tem aberto, ao longo da História novas perspectivas à moral (ou aos sistemas morais) vigentes em cada época.

Além do sujeito ou pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo ético é ainda constituído por um outro elemento: os meios para que o sujeito realize os fins da sua ação moral.

Costuma dizer-se que os fins justificam os meios, de modo que, para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis são válidos. No caso da ética, porém, essa afirmação deixa de ser óbvia.

Suponhamos uma sociedade que considere um valor e um fim moral a lealdade entre os seus membros, baseada na confiança recíproca. Isso significa que a mentira, a inveja, a adulação, a má-fé, a crueldade e o medo deverão estar excluídos da vida moral e as ações que os empreguem como meios para alcançar o fim serão imorais.

No entanto, poderia acontecer que para forçar alguém à lealdade seria preciso fazê-lo sentir medo da punição pela deslealdade, ou seria preciso mentir-lhe para que não perdesse a confiança em certas pessoas e continuasse leal a elas. Nesses casos, o fim - a lealdade - não justificaria os meios - medo e mentira? A resposta ética é: não. Porquê? Porque esses meios desrespeitam a consciência e a liberdade da pessoa moral, que agiria por coação externa e não por reconhecimento interior e
verdadeiro do fim ético.

No caso da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Por outras palavras, fins éticos exigem meios éticos.

A relação entre meios e fins pressupõe que a pessoa moral não existe como um facto dado, mas é instaurada pela vida intersubjetiva e social, precisando de ser educada para os valores morais e para as virtudes.

Poderíamos indagar se a educação ética não seria uma violência. Em primeiro lugar, porque se tal educação visa a transformar-nos de passivos em ativos, poderíamos perguntar se nossa natureza não seria essencialmente passional e, portanto, forçar-nos à racionalidade ativa não seria um ato de violência contra a nossa natureza espontânea? 

Em segundo lugar, porque se a tal educação visa a colocar-nos em harmonia e em acordo com os valores da nossa sociedade, poderíamos indagar se isso não nos faria submetidos a um poder externo à nossa consciência, o poder da moral social. 
________
* A palavra autónomo vem do grego: autos (eu mesmo, si mesmo) e nomos (lei, norma, regra). Aquele que tem o poder para dar a si mesmo a regra, a norma, a lei é autónomo e goza de autonomia ou liberdade. Autonomia significa autodeterminação. Quem não tem a capacidade racional para a autonomia é heterónomo. Heterónomo vem do grego: hetero (outro) e nomos; receber de um outro a norma, a regra ou a lei.

(Texto adaptado, retirado de Convite à Filosofia - da autoria de Marilena Chauí - Ed. Ática, São Paulo, 2000).

Atividades:

1. Faça o levantamento dos conceitos presentes no texto.
1.1. De seguida, elabore um mapa conceptual que sistematize os conteúdos do texto.

2. Defina os seguintes conceitos:
2.1. Pessoa;
2.2. Consciência moral;
2.3. Sujeito ético / Agente moral;
2.4. Vontade;
2.5. Autonomia;
2.6. Heteronomia.

3. Explique as características do sujeito ético, referindo-se a exemplos do quotidiano.

4. Porque é que em ética os fins não justificam os meios? Justifique a sua resposta tendo em conta os elementos constitutivos do campo ético (do comportamento ético).

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