sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Os conflitos de valores



O que são conflitos de valores?

É comum assistirmos ao fim de relações humanas e institucionais antes que os seus objetivos se cumpram porque as partes entram em conflito. Com frequência, as desavenças dão-se por motivos facilmente superáveis, mas as pessoas envolvidas não sabem como procurar o entendimento nem dispõem de instrumentos para tal. Em muitos casos, nem percebem que se envolveram numa disputa e não entendem o fracasso da relação.

A dificuldade de identificar os conflitos decorre, principalmente, da falta de clareza com que o problema se apresenta. É fácil perceber uma divergência se há ataques frontais, mas a maioria das disputas assume contornos subtis. Duas pessoas que almejam o mesmo cargo, por exemplo, não revelam as suas intenções, mas fazem o que podem para denegrir o concorrente.

Conflito, etimologicamente, está ligado à ideia de luta. A palavra latina conflictu quer dizer choque. O estratega prussiano Von Clausewitz, contemporâneo de Napoleão Bonaparte, afirmava que “o conflito é o encontro de duas vontades irreconciliáveis”. As pessoas entram em conflito porque percebem que têm menos poder e auto-estima do que seus interlocutores ou quando uma das partes identifica uma invasão no seu espaço objetivo (corpo e bens) ou no seu mundo subjetivo (sentimentos, valores, crenças e idéias).

Há vários tipos de conflito. Os conflitos de informação decorrem da sonegação de dados ou de mensagens mal compreendidas. Os conflitos de interesse surgem quando os recursos são escassos; quando há divergência sobre decisões; ou quando há questões emocionais em jogo. Já os conflitos emocionais resultam da distância entre as pessoas.

Os conflitos de valores - que são os que nos interessam aqui - dão-se entre pessoas que têm modos diferentes de vida ou critérios divergentes de como avaliar comportamentos.

Tais conflitos ocorrem quando as partes divergem fundamentalmente nas suas percepções sobre o desejável. É isso que se vê no exemplo apresentado na página 82 do manual: deve-se construir a barragem ou deve-se travar a construção em nome da preservação do meio ambiente? O que é desejável? É preferível garantir a satisfação das necessidades energéticas do país durante uma década (com todas as vantagens económicas associadas), ou manter a integralidade da paisagem e dos ecossistemas que serão irremediavelmente afetados pela construção da barragem?

Os valores surgem como uma expressão cultural específica das necessidades, das motivações básicas e dos requisitos do desenvolvimento comuns a todos os seres humanos. Estas necessidades incluem segurança, identidade, reconhecimento e desenvolvimento em geral. Quando as necessidades básicas para a sobrevivência de um grupo ou para sua identidade não são satisfeitas, os integrantes do grupo tendem a lutar para conseguir o querem, de uma maneira ou outra. As necessidades e sua satisfação não podem ser negociadas. Todavia, é possível identificar uma série de maneiras para satisfazer as necessidades humanas básicas, e as metas de solução de conflitos podem ser obtidas por meio do processo de identificação e satisfação daquelas necessidades.

Para solucionar conflitos de uma maneira geral, é preciso conhecer bem as razões do outro. Expor as próprias ideias é essencial, mas deve-se ter cuidado, pois críticas demasiado duras ou radicais impedem a interação. Ao ouvir o outro, é importante focarmo-nos no que ele está a dizer e não na elaboração de uma resposta ao que nos está a ser dito. Devemos, acima de tudo, procurar compreender os argumentos do outro, atendendo à sua consistência, em vez de procurarmos defender a nossa posição de qualquer ataque. Isso implica que saibamos ouvir os outros. Sem isso também não nos conseguiremos expressar com clareza.

A racionalidade é essencial porque nos leva a perceber as diferenças e a ficar aberto a soluções criativas. Isso não quer dizer que a pessoa deva ficar contida ou distante, mas deve tentar resolver o problema em cooperação (em colaboração) com os seus interlocutores. Se uma das partes não se importa com o resultado da disputa ou considera esse resultado menos importante que a solução do conflito, a escolha correta pode ser render-se aos desejos do outro. Mas a verdadeira colaboração é encontrar uma boa solução para ambas as partes.

A solução de um conflito depende do controlo que temos sobre as respostas que surgem da nossa compreensão da realidade. Ao tentar solucioná-lo, é essencial ser transparente, agir com objetividade, respeitar a perspectiva do outro e demonstrar disponibilidade para cooperar.

A Razão deve ser usada para resolver os conflitos de valor:

"Todas as pessoas são respeitáveis, sejam quais forem as suas opiniões, mas nem todas as opiniões são respeitáveis. Uma pessoa que diz que dois e dois são cinco, não pode ser encarcerada, não pode ser objecto de nenhuma represália, mas o que é evidente é que a ideia de que dois e dois são cinco não é tão respeitável como a ideia de que dois e dois são quatro. A mitificação da opinião própria conduz a considerá-la como algo que se subtrai à discussão, em vez de algo que se põe sobre a mesa, algo que não é nem meu nem teu mas que temos que discutir – discutere é, em latim, ver se uma árvore tem raízes, se as coisas têm raízes –, ver se está enraizada em algo. Quando se propõe uma opinião, não se propõe como quem se fecha num castelo, como quem se encouraça, não se supõe que todas as opiniões são igualmente válidas, mas pelo contrário que estão abertas a confrontar-se com provas e dados. Se não, não são opiniões, são dogmas. A ideia de que todas as opiniões valem o mesmo, de que a opinião do aluno do infantário vale tanto, em questões matemáticas, como a do professor de aritmética, não é verdade. E a ideia de que é um sinal de democracia ou de liberdade que qualquer ideia valha tanto como qualquer outra e que é indiferente que quem a sustenta ignore os mecanismos do assunto, não possa aduzir nenhuma prova, não tenha dados, seja incapaz de raciocinar a sua postura, que essa vale tanto como a opinião de quem conhece o assunto, parece-me preocupante.

No entanto, há uma mitificação da opinião igual a essa espécie de encastelamento de quem se sente ofendido quando contrariado, como se as opiniões se pudessem ferir, e como se cada qual pudesse sentir feridas as suas opiniões. A ideia de que as opiniões formam um corpo connosco, e que o dizer "é a minha opinião" dá um grau de razão superior ao da opinião do vizinho, parece-me preocupante, sobretudo porque se considera um sinal de liberalidade intelectual reconhecer as opiniões de cada um, quando a única liberalidade que existe é reconhecer que as opiniões devem estar fundadas na razão e que ninguém tem direito a expor as suas opiniões se não tem razões para as justificar. A posição autenticamente livre, aberta e revolucionária é sustentar que é a razão que vale e que as opiniões devem submeter-se-lhe, e não que são as opiniões que por si mesmas, por ter uma pessoa por trás, se convertem em invioláveis porque a pessoa o é.

Ensinar estas coisas e ensinar a diferença que há entre o respeito pelas pessoas e os modelos de uma capacidade de escuta, a razão não se nota somente quando alguém argumenta como também quando alguém compreende argumentos. Ser racional é poder ser persuadido por argumentos, não apenas persuadir com argumentos. Ninguém pode aspirar à condição de racional se as suas razões, as vê muito claras, mas nunca vê claramente nenhuma razão alheia. Ver as razões dos outros faz parte, necessariamente, da racionalidade. Aceitar ter sido persuadido por razões costuma ser muito mal visto, como se dar mostras de racionalidade fosse algo muito mau, quando o facto de alguém mudar de opinião demonstra que a razão lhe continua a funcionar. O mundo está cheio de pessoas que se orgulham de pensar o mesmo que pensavam aos 18 anos; provavelmente não pensavam nada, nem agora nem aos 18 anos, e graças a isso mantêm-se invulneráveis a todo o tipo de argumentação, razões, conhecimento do mundo, etc.

Educar para que as pessoas sejam vulneráveis aos raciocínios também faz parte da educação racional, e isto entra na distinção fundamental entre o racional e o razoável. A razão cobre um campo que abarca o meramente racional, no qual nos entendemos com as coisas o melhor possível, e o razoável, no qual nos entendemos com os sujeitos. É razoável incluir na minha própria a razão própria de outro sujeito, a possibilidade de aceitar os seus fins, de aceitar os seus objectivos, a sua própria busca da experiência como parte da minha própria razão. O funcionamento racional e o funcionamento razoável estão ligados, e há que educar em ambos. O razoável será esse outro uso que eu consiga dar aos conhecimentos racionais que tenho. Naturalmente que os usos também estão ligados à razão, mas a outra função diferente, isto é, ao reconhecimento de que não me movo só entre objectos, mas também entre sujeitos. E que o característico dos objectos é que eu posso impor-lhes os meus fins; e dos sujeitos, que eu devo conhecer os seus fins para de alguma forma os contrastar com os meus e buscar a possível cooperação."

Fernando Savater
Ver aqui uma versão mais completa deste texto.
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O que são critérios valorativos?

Critérios valorativos são o conjunto de valores e a sua hierarquia, os conhecimentos e as crenças presentes na consciência do sujeito e que funciona como grelha apreciativa do real.

Há 3 tipos de critérios valorativos: os individuais/pessoais, os sociais ou grupais e os universais.

Os critérios valorativos têm uma dimensão pessoal quando são os interesses pessoais, os sentimentos, gostos e ideias de cada uma orientar os juízos de valor que se fazem. Ex's:"a caneta é preciosa"; " a leitura de romances é uma perda de tempo"- Juízos de valor.

Contudo , cada sujeito, enquanto integra uma comunidade, em costumes, valores, crenças e cultura comuns, ao formular juízos, expressa esses critérios valorativos comuns. Ex's: "O futebol português tem pouca qualidade"; "A poupança é importante para o futuro".- Juízos colectivos.

Coloca-se a questão de saber se são possíveis critérios valorativos universais. E sendo possíveis, quais serão?

O problema da existência de critérios valorativos universais resulta de:

1 - Existirem problemas comuns que impõem soluções comuns;

2 - Todos os homens, sendo dotados de razão, pretendem que os seus juízos de valor se tornem universais.

A dignidade humana é um possível critério valorativo universal, enquanto cada sujeito o aprova para si e para os outros. Este critério, só é universal se for sustentado racionalmente com argumentos fortes e possa assim impor-se a todos os homens, enquanto seres racionais.

A dignidade humana consiste no respeito que cada homem merece em função da inviolabilidade dos seus próprios princípios e da sua vida. A dignidade é um critério universalizável, porque se pretende que o sujeito a aplique a si e aos outros.
http://filosofiadiogovieira.blogspot.pt/

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